sábado, 13 de dezembro de 2008
solitude
Vejo a rua vazia e ela me parece tão resignada. Na verdade, nada vejo. Tirando o som que produz o senhor de roupas pretas com uma pá. Arranca a areia de sua calçada como se fosse um menino que brinca na praia e faz seu reino e não teme que faça barulho algum por que ele próprio nada ouve. Mas, enfim: se não fosse esse barulho, dava-se até para ouvir alguns pardais cantando, se é que pardais cantam.
O senhor que mora em frente à casa de minha tia de vez em quando ele abria a janela, eu não poderia dizer exatamente de quanto em quanto tempo ele abria a janela e, possivelmente só em cuecas, saía à janela como um relógio cuco e olhava a rua. Cinco minutos talvez fosse seu intervalo, tempo para por água para ferver para um café que ele não terminaria ou erraria no açúcar, ou arrumar alguma coisa que na verdade estivaria intacta e inerte. Ele estava só nesse mundo.
Batera na mulher depois de um porre (ou dentro dele) e ela, em contrapartida, foi embora para sempre, levando consigo seus filhos. (Isso eu soube por vizinhos, é bom não espalhar nem confiar muito, os vizinhos daqui tendem a aumentar o que ouvem.)
Voltando a ele: falta-lhe, pois, alguma coisa que distraia da angústia da solidão e do eco da voz dele na casa, um homem sem mulher e filhos é como uma ovelha que se perdeu do rebanho nas montanhas. Um homem sem mulher é um menino sem mãe (sendo também que a mãe deste homem vive no Maranhão, o que é muito longe para os bolsos dele) e um homem sem filhos é como um menino sem brinquedos que ele possa decidir-lhes o futuro. Ausenta, portanto alguém que lhe regre a vida e alguém para que ele possa regrar a vida (ou as vidas, caso tiver mais de um filho/brinquedo). Pois, sem outra opção, ele passa a maior parte do tempo livre a observar a rua. A rua vazia que parece ser tão resignada.
[esse texto foi publicado no jornal O Povo em 27 de dezembro de 2008] [Confira!]
confissão
(foi numa noite dessas que me apaixonei por Clarice).
não me restava nada, eu já estava até acostumando a ser assim triste e solitário. foi quando eu encontrei o disco de Aracy Balabanian em que ela narra as pseudocrônicas de Lispector. fiquei boba. desde então, tenho uma das mais belas vozes do Brasil lendo-me uma das mais genial escritoras do Brasil. Acho que merecíamos alguém (que não o Cid Moreira), lendo Caio Fernando Abreu. eu acho justo.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
domingo, 28 de setembro de 2008
sábado, 27 de setembro de 2008
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
domingo, 17 de agosto de 2008
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
quinta-feira, 31 de julho de 2008
próxima pretensão:
Jackson Nascimento da Hora
terça-feira, 29 de julho de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
cabeças em fogo
Me pulavam aos dedos os fluxos quilométricos de sangue vivo. As pernas tremulavam inconscientemente calmas. A porta abria-se lentamente. "não repara na bagunça"
Quem foi que disse que eu estava preocupado com a bagunça imoral da tua casa, do teu ninho? Deveria eu ter dito: "não repara na bagunça que tá minha cabeça"
Não me recusei ao banho, até por que me sentia sujo, por dentro e por fora.
Um chuveiro, uma chuva lerda, um beijo molhado, um gosto de paixão de desejo e de álcool.
Quase jurou amor eterno.
Lavou-me como se eu fosse seu bebezinho. Um pouco de amor e carinho, pela primeira vez na minha vida.
Era um bicho. Menos: uma coisa: robô andróide, manequim, boneco. Menos até: seco (e de alma tão extremamente mole).
“queria ter você pra mim todos os dias”
Eu sorri.
“você me amaria?”
“até os ossos” respondi.
E amei, fiz tudo. Tudo o que ele me pediu. E o que não pediu.
...
(perco o fio da meada e não consigo mais escrever, “a metáfora me sucumbe”)
Eu tinha fechados os olhos na hora em que aquele homem vestido de pelos vermelhos me olhou fundo, beijou-me loucamente, bafejou no meu pescoço, chamou-me de meu menino, meu bebê (e antes d’eu ser ‘menino’ e ‘bebê’, eu era dele), apagou a luz, escureceu-se seu corpo tupi, apenas uma luminária de bolinhas de gude, escondeu (inocente) o rubro que eu tanto amava. E eu quase, quase pedi pra acender a luz. Mas eu não tinha essas pretensões, por que elas eram outras.
“deixa eu ser teu primeiro homem”
(eu não podia mordê-lo e, portanto, Marquês teria que continuar dormindo.)
A mão: os dedos deles apertando para si os traços pubentes da minha bunda. A outra afagando com calma anciã meus cabelos adolescentes.
“meu menino”, “meu bebê”
Algumas décadas de diferença não adiantavam muita coisa, nem as mudava. Meu. “deixa”. Menino. Meu.
E foi entrando, porta a dentro. Como se estivesse em casa e soubesse todos os caminhos dentro de mim. Dividindo-me em três. Um que amava aquilo, outro que tinha medo daquilo. E outro: que estava atrasado pra chegar em casa antes do jantar.
“me beija”
Separavam-se os três, lentamente:
Doloridamente
E antes que um deles gritasse: “por favor, não me morra. deixe-os aqui comigo, sou eu que sou eles, você me divide e como fico eu?"
Ele pôs a língua na minha boca e tapou-me o direito de falar.
sexta-feira, 25 de julho de 2008
(8) belo e estranho dia
sinto: não minto sua falta
falta: não sinto, minto
falta: não minto o que sinto